segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

FAMÍLIA e os tempos modernos.

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O psicólogo clínico, de maneira geral, está sempre envolvido com o tema FAMÍLIA... Trata-se de um tema recorrente, tendo em vista que tudo começa a partir de uma família.

Na atualidade, as famílias se configuram de variadas formas. Aquelas do comercial de margarina aparecem como sonho de consumo no imaginário popular. Contudo, elas já não refletem a realidade absoluta... Até mesmo o aplicativo WhatsApp atualizou seus emoticons para retratar outros modelos de famílias, como as homoparentais, por exemplo.

Hoje, vou compartilhar um texto que considero muito apropriado. Foi publicado na revista Veja (14 de fevereiro de 2007), é um texto da escritora Lya Luft.  Embora tenha quase 10 anos a publicação é de uma pertinência que, para mim, o fez atemporal.

As questões apresentadas pela autora são questões que cotidianamente aparecem no meu trabalho como psicóloga. São as dúvidas de pais, avós, responsáveis e são, muitas vezes, o resultado de uma convivência familiar que deixou marcas.... Algumas tão doloridas que nem o tempo consegue aplacar...  

Vou apresentar o texto na íntegra e destacar alguns trechos que considerei impecáveis! Boa leitura, envie comentários.

“ FAMÍLIA TEM DE SER CARETA

Esperando uma reação de espanto ou contrariedade ao título acima, tento explicar:  acho, sim, que família deve ser careta, e que isso deve ser um bem incomparável neste mundo tantas vezes fascinante e tantas vezes cruel. Dizendo isso não falo em rigidez, que os deuses nos livrem dela. Nem em pais sacrificiais, que nos encherão de culpa e impedirão que a gente cresça e floresça. Não penso em frieza e omissão, que nos farão órfãos desde sempre, nem em controle doentio – que o destino nãos nos reserve esse mal dos males. Nem de longe aceito moralismo e preconceito, mesmo (ou sobretudo) disfarçado de religião, qualquer que seja ela, pois isso seria a diversão maior do demônio.

Falo em carinho, não em castração.  Penso em cuidados, não suspeita. Imagino presença e escuta, camaradagem e delicadeza, sobretudo senso de proteção. Não revirar gavetas, esvaziar bolsos, ler e-mails, escutar no telefone, indignidades legítimas em casos extremos, de drogas ou outras desgraças, mas que em situação normal combinam com velhos internatos, não com a família amorosa. Falo em respeito com a criança ou o adolescente, porque são pessoas, em entendimento entre pai e mãe – também depois de uma separação, pois naturalmente pessoas dignas preservam a elegância e não querem se vingar ou querer continuar controlando o outro através dos filhos.

Interesse não é fiscalizar ou intrometer-se, bater ou insultar, mas acompanhar, observar, dialogar, saber. Vejo crianças de 10, 11 anos frequentando festas noturnas com a aquiescência de pais irresponsáveis, ou porque os pais nem ao menos sabem por onde elas andam. Vejo adolescentes e pré-adolescentes embriagados fazendo rachas alta noite ou cambaleando pela calçada ao amanhecer, jogando garrafas e carros que passam, insultando transeuntes – onde estão os pais?

Como não saber que sites da internet as crianças e os jovenzinhos frequentam, com quem saem, onde passam o fim de semana e com quem. Como não saber o que se passa com eles?  Sei de meninas, quase crianças, parindo sozinhas no banheiro, e ninguém em casa sabia que estavam grávidas, em pai nem mãe. Elas simplesmente não existiam, a não ser como eventual motivo de irritação.

Não entendo a maior parte das coisas solitárias e tristes que vicejam onde deveria haver acolhimento, alguma segurança e paz, na família. Talvez tenhamos perdido o bom senso. Não escutamos a voz arcaica que nos faria atender a crias indefesas – e não me digam que crianças de 11 anos ou adolescentes de 15 dispensam pai e mãe. Também não me digam que não têm tempo para a família porque trabalham demais para sustenta-la. Andamos aflitos e confusos por teorias insensatas, trabalhando além do necessário, mas dizendo que é para dar melhor nível de vida aos meninos. Com essa desculpa não os preparamos para este mundo difícil.  Se acham que filho é tormento e chateação, mais uma carga do que uma felicidade, não deviam ter tido família. Pois quem tem filho é, sim, gravemente responsável. Paternidade é função para a qual não há férias, 130 , aposentadoria. Não é cargo para fiscal tirano nem para um amiguinho a mais: é par ser pai, é para ser mãe.

É preciso ser amorosamente atento, amorosamente envolvido, amorosamente interessado. Difícil, muito difícil, pois os tempos trabalham contra isso. Mas quem não estiver disposto, quem não conseguir dizer “não’ na hora certa e procurar se informar para saber quando é a hora certa, quem se fizer de vítima dos filhos, quem se sentir sacrificado, aturdido, incomodado, que por favor não finja que é mãe ou pai. Descarte este papel de uma vez, encare a educação como função da escola, diga que hoje é todo mundo desse jeito, que não existe mais amor nem autoridade... e deixe os filhos à própria sorte.

Pois, se você se sentir assim, já não terá mais família nem filhos nem aconchego num lugar para onde você e eles gostem de voltar, onde gostem de estar. Você vive uma ilusão de família. Fundou um círculo infernal onde se alimentam rancores e reina o desamparo, onde todos se evitam, não se compreendem, muito menos se respeitam.

Por tudo isso e muito mais, à família moderninha, com filhos nas mãos de uma gatinha vagamente idiotizada e um gatão irresponsável, eu prefiro a família dita careta: em que existe alguma ordem, responsabilidade, autoridade, mas também carinho e compreensão, bom humor, sentimento de pertença, nunca sujeição.
É bom começar a tentar, ou parar de brincar de casinha: a vida é dura e os meninos não pediram para nascer. ”

E para você? O que é ser pai e mãe? Vamos falar sobre isso? Deixe seu comentário. Sugira temas.


Por Mariangela Venas

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Sugestão de um bom filme: A Garota Dinamarquesa





Abordou uma temática delicada com o respeito merecido pelas pessoas que vivem dramas semelhantes. 

E a riqueza da obra se deu especialmente porque abriu mão da banalização do tema.

Os atores estão irrepreensíveis na forma como conduziram seus personagens. A sutileza e a beleza da transformação do casal remete a um amor incondicional. Difícil nos tempos pós modernos...

A última cena é um presente para quem gosta de simbolismos... 



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Contradições...

Costuma-se dizer (e não gosto muito desta ideia...) que o ano começa após o Carnaval. Que seja assim, então, que o ano finalmente comece e possamos cuidar um pouco mais daquilo que realmente importa.

O carnaval trouxe para avenida a exuberância de corpos esculpidos em muitas horas de exercícios intensos, dietas rigorosas, cirurgias estéticas e, quem sabe, algumas doses de anabolizantes. Corpos perfeitos... diriam alguns.

Verão, tempo de férias, praia e um olhar um pouco mais atento me sugere que a cada estação há um contingente maior de pessoas obesas disputando um lugar ao sol...

Ao que me parece, estamos lidando com dois extremos: o corpo exaustivamente cultuado e o corpo negligenciado. Onde há excesso é comum encontrarmos problemas.

A OMS considera a obesidade como um relevante problema de saúde pública. Nunca se falou tanto em alimentação saudável; em treinamentos funcionais; em tratamentos e intervenções cirúrgicas para o corpo perfeito. Exclui-se da alimentação sem o menor critério glúten, lactose e até o arroz e feijão, que tem sido a base alimentar dos brasileiros por anos e anos. Tudo com a proposta de reduzir o peso e, quem sabe, aplacar a culpa por sentir fome.  Come-se muito e arrepende-se muito, em um movimento de significativa compulsão.

Assim, o corpo, embora cultuado maciçamente na atual sociedade é também um corpo marcado pela obesidade. A alimentação deixou de ser um processo natural de sobrevivência e prazer para se tornar um fardo na vida contemporânea.

E isso parece ser provocado pelo fato de estarmos buscando respostas para as angústias mais primitivas na comida. Se há um vazio, provocado por uma ausência afetiva, busca-se o preenchimento em um pedaço de torta. Se houve um aborrecimento no trabalho, a saída é afogar as mágoas em petiscos na saída da empresa. Utiliza-se como recurso, quase exclusivamente a geladeira.... Não se tem uma disposição interna para lidar com os dissabores do cotidiano, percorre-se, assim, o caminho supostamente mais fácil da compulsão à repetição. Em uma infindável luta entre a balança e a dificuldade de lidar com aquilo que está provocando o desassossego. Vai-se avolumando o corpo, como se buscasse uma prótese psíquica para conter a inquietude da alma...

Em seu livro A Cabala da Comida, Nilton Bonder fala sobre a ambivalência do querer ser magro e do impulso que remete o indivíduo à geladeira para aplacar até mesmo a necessidade de estar em contato como a própria essência. E diz:

“Uma criança nasce, cresce, chora. Está com fome, com frio, solitária, não consegue entender o que está acontecendo. Está assustada e confusa. Em cada uma destas situações a mãe pega a criança e a leva ao seio. E então a criança se sente bem novamente.

E nós, o que fazemos? Sentimos fome? Vamos até o refrigerador. Sentimos frio? Vamos até o refrigerador. Não entendemos o que está acontecendo no mundo? Vamos até o refrigerador. Estamos deprimidos? Queremos estar em contato com nossa essência? Vamos até o refrigerador.

No entanto, pode ser apropriado ao bebê ir ao encontro do seio quando diante de todas estas necessidades, pois o seio, com certeza, dá todas estas respostas e diz algo que tem a ver com estar solitário ou com frio, solucionando os problemas. E se o sentimento é de estar confuso, há descanso no seio...”

Assim, é preciso que se tenha acesso a fonte certa para aplacar a angústia, na repetição automática não haverá a saída, porque...

“E todo este meu tecido adiposo em excesso não é nada mais do que um sinal de que não me dirigi à fonte correta. Estava procurando algo que me ajudasse de imediato e recorri a apenas uma fonte quando deveria ter recorrido a outras. ”


Por Mariangela Venas