A foto mostra o livro que estou lendo atualmente. Depressão é um tema profundo, difícil de discorrer. Avançar nessa leitura tem me trazido lembranças de pessoas que já estiveram sob os meus cuidados.
Em quase todas eu vi estampado em seus rostos:
Desespero
Desesperança
Desesperação
Desalento
Desânimo
Desolação
Devastação
Desamparo
Dor
Variava a intensidade, naturalmente, porque cada um me trazia
um pedaço de si impregnado com sua história.... Ouvindo essas pessoas percebia que
me questionava intimamente sobre o momento em que o desejo de não ser
foi deflagrado na vida de cada um.
A depressão, repito, não é tema fácil. Há de se entender a
partir de diversas abordagens: medicina, psicologia, psicanálise. Mas o que é
importante considerar é que nenhum adoecimento será igual em sintomatologia.
Cada um experimentará a desesperança a partir do que outrora foi vivido. Que
trama ficou enredada no psiquismo desse sujeito? O ambiente do início da sua
vida foi vivido como um porto seguro ou sentia que estava em um barco à deriva?
Quantas vezes a depressão já havia batido à porta com
disposição para entrar e fazer morada? Quantos sinais foram dados acerca do
sofrimento e do tormento vivenciado por essa alma que agora parece querer
desistir em definitivo. A separação, a cirurgia da filha, a morte de um ente
querido, a demissão, o fracasso no vestibular, a morte do gatinho. Sem dúvida,
eventos que podem ser traumáticos, mas em alguns casos parecia haver uma
desproporcionalidade no sofrer.... Não era apenas o fato em si, não era aquele
momento especificamente. Algo enganchou em uma estrutura que já apresentava
certa fragilidade, certo comedimento no sorrir, no dançar, no amar, no viver...
Se algo ficou enganchado não adianta puxar com força, é
preciso ter cuidado para que a retirada do gancho não produza mais ranhuras no
tecido já demasiadamente esgarçado....
É uma vida que chega para mim. Não sei nada sobre sua
história. Não quero arrancar nada a força. O que devo fazer de imediato é
buscar saber onde está sangrando pelo atrito da ponta do gancho. Ofereço minha
escuta.... Muitas vezes o que temos é uma fala vazia, distanciada de si.... Há
dias de choro e lágrimas fartas. Em outros momentos o choro é contido, como se
alguém imperativamente dissesse: Engole o choro!
E eu fico ao lado. Sei que iniciaremos uma longa jornada até
que essa pessoa possa percorrer todos (ou quase todos, ou os possíveis)
caminhos sombrios pelos quais sua alma já enveredou. Até que ela possa se
apropriar da sua história. Tomar para si a vontade de existir. Compreender,
como nos diz o autor do livro, o psicanalista Alexandre Patricio, que:
“Somos um produto dessa
trama de barbantes entrelaçados que, a qualquer momento, pode ser rasgada por
um golpe brutal. O grande detalhe, porém, é aceitar esse fim. Saber que nunca
se é independente. Saber reconhecer que a morte e a perda sempre irão doer.”
E a psicoterapia deverá permitir o trabalho do luto. Do luto
sobre o qual se fala abertamente: o acontecimento específico que levou o
indivíduo para a psicoterapia. E o luto que ficou preso, encapsulado, sem ter
havido espaço para elaboração. Sabia-se do desamparo, do choro, da dor,
mas não foi possível – outrora – sentir.
Faz-se necessário abandonar o objeto perdido que, embora
morto, ainda vive como um fantasma a arrastar correntes provocando medo e
apatia. Chega o tempo em que o paciente se torna dono da sua história e pode
seguir adiante com suas dores e encantos. Sim, com as dores, pois é disso que
se trata a vida...