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Foto de arquivo pessoal |
Eu diria que
esse texto é um recorte das muitas falas que aparecem nos processos
psicoterapêuticos que meus pacientes me dão a honra de acompanhar.... Nesse
percurso que venho fazendo na Psicologia Clínica, tenho tocado em almas muito feridas.
Sujeitos que
vão buscando contornos para a angústia que se apresenta. Vão transformando em
sintomas... arranjos psíquicos para garantia da sobrevivência. Mas, como dizia
Freud:
“Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala,
falam as pontas dos dedos.”
Assim, essas
frases não têm dono, ou seja, não é do paciente A ou B, são fragmentos que eu fui
tecendo para elaboração do texto.
Uma costura
delicada, o avançar da agulha não pode produzir mais feridas...
Hoje está
difícil... tem um nó inteiro dentro de mim... como se tudo estivesse
estrangulado, como se tudo fosse lamento e dor... não sei de onde vem tanto
medo, não sei de onde vem tanta agonia... Será que Deus, que dizem ter uma
infinita bondade, poderia me aliviar o peso da infância sofrida, de uma vida
marcada por tantas inquietações. Já nem sei se acredito em Deus.
Meu coração
bate apressado, parece que vou morrer! Sensação apavorante. Parei um pouco,
presto atenção nesse bater descompassado e escuto meu coração dizer que queria
ter sentido mais vida pulsando dentro de mim. Me interpelou sobre meu desejo...
E eu desatei a chorar. Lembrei de você me pedindo para ter calma e respirar
profundamente.
Muitas vezes
me vi sonhando coisas lindas para minha vida. Tudo tão longe... somente pequenas
degustações, como naqueles restaurantes em que nos apresentam tudo em
pequeníssimas quantidades. Apenas com o intuito de nos abrir o apetite para
consumir mais. Cansei! Cansei mesmo! Quero a mesa farta, quero me lambuzar! Se
tive que sorver a dor em doses máximas, reivindico o direito de saborear o
prazer!!
Não quero
ouvir sobre o que eu tenho. Sei de tudo o que tenho. Estou falando do que não
tenho. É disso que meu coração quer falar, é por isso que ele dói. Por aquilo
que ainda não chegou, que eu não fui buscar, que eu não soube reter! É da falta
que quero falar, do que não sei se virá, do que não sei se terei disposição
para buscar, do vir a ser comprometido pelo desamparo vivido na infância.
Estou falando
dessa forma sem parar, as palavras soltas, sem compromisso com o discurso
certinho. Eu quero aliviar essa angústia que se avoluma dentro de mim, quero
libertar minha alma... sinto os grilhões se arrastando... sinto a morte n’alma.
Quero me
reencontrar. Quero encontrar esse desejo que você tanto fala... Quero mais:
quero aquela alegria pura que eu sentia ao ver um pôr do sol. Lembro da
primeira vez que vi o céu se avermelhando no horizonte. Estava no quintal da
minha avó, era muito criança ainda e de repente o céu ficou alaranjado.
Tive medo que fosse o fim do mundo, corri para dentro assustada.... Depois, aos poucos, comecei a gostar imensamente. Era tomada por uma forte sensação de renovação. Ciclos
que se encerram.
Hoje não
tenho o que falar, nem sei porque estou aqui. Nada muda!!!! Continuo ouvindo os
gritos da minha mãe, falando para eu não comer isso ou aquilo, pois vou ficar
gorda. E eu comia, comia, comia!!! E depois vomitava tudo forçosamente, o que
eu queria mesmo era calar a voz dela dentro de mim. Não, eu não vomito mais. Aliás,
acabo de me dar conta que estou há um ano sem vomitar! E isso é bom. Muito bom!
Sinto que um
ciclo se encerra. Queria ficar uns tempos sem fazer terapia. Caminhamos tanto.
Quero ver como toco minha vida sem estar segurando na sua mão. Obrigada!
Eu me
despeço e fecho a porta.... Sentirei saudades.
Por
Mariangela
Venas