segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Contradições...

Costuma-se dizer (e não gosto muito desta ideia...) que o ano começa após o Carnaval. Que seja assim, então, que o ano finalmente comece e possamos cuidar um pouco mais daquilo que realmente importa.

O carnaval trouxe para avenida a exuberância de corpos esculpidos em muitas horas de exercícios intensos, dietas rigorosas, cirurgias estéticas e, quem sabe, algumas doses de anabolizantes. Corpos perfeitos... diriam alguns.

Verão, tempo de férias, praia e um olhar um pouco mais atento me sugere que a cada estação há um contingente maior de pessoas obesas disputando um lugar ao sol...

Ao que me parece, estamos lidando com dois extremos: o corpo exaustivamente cultuado e o corpo negligenciado. Onde há excesso é comum encontrarmos problemas.

A OMS considera a obesidade como um relevante problema de saúde pública. Nunca se falou tanto em alimentação saudável; em treinamentos funcionais; em tratamentos e intervenções cirúrgicas para o corpo perfeito. Exclui-se da alimentação sem o menor critério glúten, lactose e até o arroz e feijão, que tem sido a base alimentar dos brasileiros por anos e anos. Tudo com a proposta de reduzir o peso e, quem sabe, aplacar a culpa por sentir fome.  Come-se muito e arrepende-se muito, em um movimento de significativa compulsão.

Assim, o corpo, embora cultuado maciçamente na atual sociedade é também um corpo marcado pela obesidade. A alimentação deixou de ser um processo natural de sobrevivência e prazer para se tornar um fardo na vida contemporânea.

E isso parece ser provocado pelo fato de estarmos buscando respostas para as angústias mais primitivas na comida. Se há um vazio, provocado por uma ausência afetiva, busca-se o preenchimento em um pedaço de torta. Se houve um aborrecimento no trabalho, a saída é afogar as mágoas em petiscos na saída da empresa. Utiliza-se como recurso, quase exclusivamente a geladeira.... Não se tem uma disposição interna para lidar com os dissabores do cotidiano, percorre-se, assim, o caminho supostamente mais fácil da compulsão à repetição. Em uma infindável luta entre a balança e a dificuldade de lidar com aquilo que está provocando o desassossego. Vai-se avolumando o corpo, como se buscasse uma prótese psíquica para conter a inquietude da alma...

Em seu livro A Cabala da Comida, Nilton Bonder fala sobre a ambivalência do querer ser magro e do impulso que remete o indivíduo à geladeira para aplacar até mesmo a necessidade de estar em contato como a própria essência. E diz:

“Uma criança nasce, cresce, chora. Está com fome, com frio, solitária, não consegue entender o que está acontecendo. Está assustada e confusa. Em cada uma destas situações a mãe pega a criança e a leva ao seio. E então a criança se sente bem novamente.

E nós, o que fazemos? Sentimos fome? Vamos até o refrigerador. Sentimos frio? Vamos até o refrigerador. Não entendemos o que está acontecendo no mundo? Vamos até o refrigerador. Estamos deprimidos? Queremos estar em contato com nossa essência? Vamos até o refrigerador.

No entanto, pode ser apropriado ao bebê ir ao encontro do seio quando diante de todas estas necessidades, pois o seio, com certeza, dá todas estas respostas e diz algo que tem a ver com estar solitário ou com frio, solucionando os problemas. E se o sentimento é de estar confuso, há descanso no seio...”

Assim, é preciso que se tenha acesso a fonte certa para aplacar a angústia, na repetição automática não haverá a saída, porque...

“E todo este meu tecido adiposo em excesso não é nada mais do que um sinal de que não me dirigi à fonte correta. Estava procurando algo que me ajudasse de imediato e recorri a apenas uma fonte quando deveria ter recorrido a outras. ”


Por Mariangela Venas

4 comentários:

  1. Como sempre perfeito! Sempre falo que como quando estou feliz e como quando estou triste... E o que ganho além do peso, uma enorme culpa...

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  2. Obrigada!!!
    O problema está no excesso... Sempre! Aprender a lidar com os mecanismos que nos levam à compulsão é o caminho para a saúde...
    Abraço

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  3. Parabéns! Excelente texto bastante atual onde se vive uma ditadura da magreza, ao mesmo tempo se vive o paradoxo da obesidade no mundo.
    Tantas pessoas em busca de cirurgia de redução de estômago, balão intragástrico, que após 2 a 3 anos da "mudança" voltam ao peso anterior, por que será? Será que uma das causas para se voltar a comer em excesso é que o emocional/psicológico não foi devidamente integrado? Obrigada pela partilha.

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    1. Muito obrigada!!!! :)
      Há, na atualidade, certa resistência para olhar para dentro... É o mundo do espetáculo!!!!
      Abraço

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