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O psicólogo clínico, de
maneira geral, está sempre envolvido com o tema FAMÍLIA... Trata-se de um tema
recorrente, tendo em vista que tudo começa a partir de uma família.
Na atualidade, as famílias se
configuram de variadas formas. Aquelas do comercial de margarina aparecem como
sonho de consumo no imaginário popular. Contudo, elas já não refletem a
realidade absoluta... Até mesmo o aplicativo WhatsApp atualizou seus emoticons
para retratar outros modelos de famílias, como as homoparentais, por exemplo.
Hoje, vou compartilhar um
texto que considero muito apropriado. Foi publicado na revista Veja (14 de
fevereiro de 2007), é um texto da
escritora Lya Luft. Embora tenha
quase 10 anos a publicação é de uma pertinência que, para mim, o fez atemporal.
As questões apresentadas pela
autora são questões que cotidianamente aparecem no meu trabalho como psicóloga.
São as dúvidas de pais, avós, responsáveis e são, muitas vezes, o resultado de
uma convivência familiar que deixou marcas.... Algumas tão doloridas que nem o
tempo consegue aplacar...
Vou
apresentar o texto na íntegra e destacar alguns trechos que considerei
impecáveis! Boa leitura, envie comentários.
“ FAMÍLIA TEM DE SER CARETA
Esperando uma reação de espanto
ou contrariedade ao título acima, tento explicar: acho, sim, que família deve ser careta, e que
isso deve ser um bem incomparável neste mundo tantas vezes fascinante e tantas
vezes cruel. Dizendo isso não falo em rigidez, que os deuses nos livrem dela.
Nem em pais sacrificiais, que nos encherão de culpa e impedirão que a gente
cresça e floresça. Não penso em frieza e omissão, que nos farão órfãos desde
sempre, nem em controle doentio – que o destino nãos nos reserve esse mal dos
males. Nem de longe aceito moralismo e preconceito, mesmo (ou sobretudo)
disfarçado de religião, qualquer que seja ela, pois isso seria a diversão maior
do demônio.
Falo
em carinho, não em castração. Penso em
cuidados, não suspeita. Imagino presença e escuta, camaradagem e delicadeza,
sobretudo senso de proteção. Não revirar gavetas, esvaziar
bolsos, ler e-mails, escutar no telefone, indignidades legítimas em casos
extremos, de drogas ou outras desgraças, mas que em situação normal combinam
com velhos internatos, não com a família amorosa. Falo em respeito com a
criança ou o adolescente, porque são pessoas, em entendimento entre pai e mãe –
também depois de uma separação, pois naturalmente pessoas dignas preservam a
elegância e não querem se vingar ou querer continuar controlando o outro
através dos filhos.
Interesse não é fiscalizar ou
intrometer-se, bater ou insultar, mas acompanhar, observar, dialogar, saber.
Vejo crianças de 10, 11 anos frequentando festas noturnas com a aquiescência de
pais irresponsáveis, ou porque os pais nem ao menos sabem por onde elas andam.
Vejo adolescentes e pré-adolescentes embriagados fazendo rachas alta noite ou
cambaleando pela calçada ao amanhecer, jogando garrafas e carros que passam,
insultando transeuntes – onde estão os pais?
Como não saber que sites da
internet as crianças e os jovenzinhos frequentam, com quem saem, onde passam o
fim de semana e com quem. Como não saber o que se passa com eles? Sei de meninas, quase crianças, parindo
sozinhas no banheiro, e ninguém em casa sabia que estavam grávidas, em pai nem
mãe. Elas simplesmente não existiam, a não ser como eventual motivo de
irritação.
Não entendo a maior parte das coisas solitárias e tristes que
vicejam onde deveria haver acolhimento, alguma segurança e paz, na família.
Talvez tenhamos perdido o bom senso. Não escutamos a voz arcaica que nos faria
atender a crias indefesas – e não me digam que crianças de 11 anos ou
adolescentes de 15 dispensam pai e mãe. Também não me digam que não têm tempo
para a família porque trabalham demais para sustenta-la. Andamos aflitos e
confusos por teorias insensatas, trabalhando além do necessário, mas dizendo
que é para dar melhor nível de vida aos meninos. Com essa desculpa não os
preparamos para este mundo difícil. Se
acham que filho é tormento e chateação, mais uma carga do que uma felicidade,
não deviam ter tido família. Pois quem tem filho é, sim, gravemente
responsável. Paternidade é função para a qual não há férias, 130 ,
aposentadoria. Não é cargo para fiscal tirano nem para um amiguinho a mais: é
par ser pai, é para ser mãe.
É preciso ser amorosamente atento, amorosamente envolvido,
amorosamente interessado. Difícil, muito difícil, pois os tempos trabalham
contra isso.
Mas quem não estiver disposto, quem não conseguir dizer “não’ na hora certa e
procurar se informar para saber quando é a hora certa, quem se fizer de vítima
dos filhos, quem se sentir sacrificado, aturdido, incomodado, que por favor não
finja que é mãe ou pai. Descarte este papel de uma vez, encare a educação como
função da escola, diga que hoje é todo mundo desse jeito, que não existe mais
amor nem autoridade... e deixe os filhos à própria sorte.
Pois, se você se sentir
assim, já não terá mais família nem filhos nem aconchego num lugar para onde
você e eles gostem de voltar, onde gostem de estar. Você vive uma ilusão de
família. Fundou um círculo infernal onde se alimentam rancores e reina o
desamparo, onde todos se evitam, não
se compreendem, muito menos se respeitam.
Por tudo isso e muito mais, à família moderninha, com filhos
nas mãos de uma gatinha vagamente idiotizada e um gatão irresponsável, eu
prefiro a família dita careta: em que existe alguma ordem, responsabilidade,
autoridade, mas também carinho e compreensão, bom humor, sentimento de
pertença, nunca sujeição.
É bom começar a tentar, ou parar de brincar de casinha: a vida
é dura e os meninos não pediram para nascer. ”
E para você? O que é
ser pai e mãe? Vamos falar sobre isso? Deixe seu comentário. Sugira temas.
Por Mariangela Venas
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